Poesia se é que há





Ser poeta em tempos tão cinzas não me parece uma tarefa fácil. Há tempos perdeu-se no próprio tempo a aura sublime da poesia, do encantamento, do querer encantar, do querer cantar – versos, estrofes, rimas, ritmos ou apenas palavras. Do querer quiçá amar as encruzilhadas do cotidiano, ora amenas e tênues, ora frenéticas e contrastadas.
Mas há ainda aqueles que conseguem extrair do mundo real a fração imaginária de cores, sabores, aromas e imagens necessárias para a reinvenção da poesia e mais que isso, fazer tornar real o fomento da esperança por um mundo melhor. É isso que faz com maestria o meu amigo poeta Fabiano Fernandes Garcez, um artista das palavras, mestre na ordenha seca das pedras do cotidiano, mestre Midas na arte de transformar o cinza pálido do dia-a-dia, numa rosa nada cálida de poemas, poesias, historinhas cheias de graça, gracejos, sonhos, cores e sentimentos.
Fabiano é um personagem completo da arte de criar alegrias, de construir sonhos e de torná-los cada vez mais palpáveis. É em síntese, o que a sua obra nos mostra: um plural.
Portanto, utilizem-se destas páginas que daqui se seguem para um reencontro sutil com uma vida nova, cheia de novas esperanças, de palavras repletas de conteúdo, de valores que vão da simplicidade da arte à mais complexa riqueza existencial.



Rodrigo Augusto Fiedler do Prado
Quarta capa 


SE JESUS VOLTASSE HOJE

Quem acreditaria
se Jesus voltasse hoje?
Mas, se ele voltasse,
seria brasileiro

Nasceria na periferia
de São Paulo
seria negro?
cantaria RAP?

Sobreviveria a
Mortalidade infantil?
Exclusão social?
E a violência sobreviveria?

Se Jesus voltasse hoje
nasceria no sertão da Paraíba,
ou Pernambuco
Teria voz grave e rouca
para falar a multidão
e cantar repente

Sobreviveria a seca?
                        a fome?
Sobreviveria ao racismo?

Se Jesus voltasse,
hoje no Brasil
dormiria nas ruas?
Comeria de favor?

Chamaria Jesus?
Genésio, Gésio
Ou Mané, José, João
Benedito, Romão?
Precisaria Ele de nome?

Seria católico?
         evangélico?
Seria caótico?
Seria cristão?        
         Espírita?
Novamente judeu?
Seria Jesus ateu?

Acreditaria nele os Deuses?
Essas religiões?
Seus seguidores?
Seus patrocinadores acreditariam?

Ou prefeririam acreditar
naquele de barro, louça,
gesso ou madeira
que fala pela boca dos outros
Se Jesus voltasse hoje,
falaria o que já falou?
se é que falou

Saberia Jesus escrever?
Seria um teólogo?
Para saber sobre as religiões?
Agora dessa vez, caso
voltasse,  desrespeitaria as regras
como já fez?
Se Jesus voltasse quem
acreditaria?
O Diabo?
O tentaria?
E Deus?
Acreditaria ou o abandonaria?

Se Jesus voltasse hoje
ganharia dinheiro?
Investiria?
Agradeceria suas vitórias?
Ou reclamaria suas derrotas
a um Jesus mais antigo!

Se Jesus voltasse
compraria crucifixos?
Pagaria dízimos?
Casaria? Na igreja?

Se Jesus voltasse
nasceria brasileiro
Você acreditaria?
Ou o condenaria?
Será que já não nasceu?


ALMOÇO DE DOMINGO


Quando jovem a rotina
de minha família
me agredia

Todos acordados a correria,
o entra e sai para o chuveiro
o café com leite e as bolachas,
pão era raro, era longe o padeiro

À noite cada um em um horário
Chegava, comia, se banhava e dormia
A gente mal se via

Nos finais de semana, minha mãe
reclamava, as crianças gritando e
o tempo roto se arrastando

O auge era o almoço no domingo
Um ritual que tínhamos que venerar
Todos à mesa, macarrão, frango e
refrigerante, que fosse o que fosse
minha mãe chamava de guaraná

Cansado fugi pra ver mundos,
destruir vidas, enlouquecer,
até que me arrependi

Hoje estou de volta,
os rostos envelheceram,
as vozes ficaram mais graves
Mas no domingo, ainda há
macarrão, frango e guaraná